Um evento recente no Mar Vermelho acendeu um alerta global sobre a segurança da infraestrutura que sustenta o nosso mundo digital. No dia 7 de setembro de 2025, múltiplos cabos submarinos na região foram cortados, causando interrupções significativas nos serviços de internet em partes da Ásia e do Oriente Médio. Este incidente não apenas demonstrou a vulnerabilidade de uma rede que consideramos onipresente, mas também expôs as tensões geopolíticas que borbulham sob a superfície dos nossos oceanos.
O impacto foi imediato e severo. A Microsoft reportou que seus usuários do serviço de nuvem Azure no Oriente Médio sofreram com o aumento da latência e interrupções de conexão. A NetBlocks, uma organização que monitora a governança da internet, confirmou problemas de conectividade na Índia e no Paquistão. A gigante indiana de telecomunicações, Tata Communications, e um consórcio supervisionado pela Alcatel-Lucent, que operam os cabos SEA-ME-WE 4 e I-ME-WE, respectivamente, foram diretamente afetados. Estima-se que até 25% do tráfego de internet da região tenha sido comprometido, forçando os provedores a desviar o fluxo de dados por rotas alternativas.
Geopolítica Submarina: Uma Nova Frente de Batalha
Embora a causa exata dos cortes ainda esteja sob investigação, as suspeitas recaem sobre os rebeldes Houthis do Iêmen. O grupo, que é alinhado ao Irã e ao Hamas, tem intensificado suas ações na região desde o início do conflito em Gaza, atacando mais de 100 navios entre novembro de 2023 e dezembro de 2024. O governo do Iêmen já havia acusado os Houthis de planejarem ataques a cabos submarinos em 2024, uma alegação que o grupo negou na época, mas que agora ganha contornos de realidade.
Este incidente não é um caso isolado. Um relatório da Recorded Future, uma empresa de cibersegurança, já havia alertado para o aumento de sabotagens a cabos submarinos, com nove incidentes registrados no Mar Báltico e nas proximidades de Taiwan em 2024 e 2025. O relatório aponta a Rússia e a China como os principais suspeitos, afirmando que tais operações se alinham com seus objetivos estratégicos. A situação é tão tensa que alguns países europeus já aumentaram as patrulhas em alto mar para proteger essa infraestrutura vital.
A Infraestrutura Invisível que Conecta o Mundo
Para a maioria das pessoas, a internet é uma nuvem etérea de dados. No entanto, a realidade é bem mais física e vulnerável. Cerca de 99% de todas as comunicações digitais do mundo viajam através de uma rede de aproximadamente 450 cabos submarinos, que se estendem por mais de 1,4 milhão de quilômetros no leito dos oceanos. Essa infraestrutura, construída e mantida por um pequeno grupo de empresas como a SubCom (EUA), Alcatel Submarine Networks (França), NEC (Japão) e HMN Technologies (China), é a espinha dorsal da economia global e da nossa sociedade conectada.
A crescente dependência dessa infraestrutura levou as gigantes da tecnologia, como Google e Meta, a investir na construção de seus próprios cabos submarinos. Essa movimentação estratégica visa garantir maior controle sobre a conectividade e a resiliência de seus serviços, um passo que antes era domínio exclusivo de empresas de telecomunicações e consórcios estatais.
A Posição Estratégica do Brasil e as Medidas de Proteção
Diante deste cenário de crescente instabilidade, a segurança dos cabos submarinos tornou-se uma prioridade para a segurança nacional de diversos países, incluindo o Brasil. A cidade de Fortaleza, no Ceará, consolidou-se como um dos principais hubs de cabos submarinos do mundo, sendo o ponto de conexão de 18 cabos internacionais que ligam o Brasil à América do Norte, Europa, África e outros países da América do Sul. Essa posição estratégica torna o país um nó vital na rede global de comunicações, mas também um alvo potencial.
Ciente dessa vulnerabilidade, o Brasil tem tomado medidas proativas para proteger sua infraestrutura crítica. Em novembro de 2024, a Marinha do Brasil realizou um exercício inédito em Fortaleza, em parceria com empresas de telecomunicações e órgãos governamentais, para simular a proteção dos cabos submarinos contra possíveis ameaças. A iniciativa, batizada de “Amazônia Azul”, visa desenvolver doutrinas e procedimentos para garantir a integridade das comunicações nacionais e internacionais que passam pelo país.
O Futuro da Internet: Resiliência e Cooperação
Os ataques no Mar Vermelho são um lembrete contundente de que a nossa dependência da internet vem com uma série de desafios e responsabilidades. A segurança da infraestrutura submarina não é mais uma questão puramente técnica, mas sim um complexo quebra-cabeça geopolítico que exige cooperação internacional e investimentos contínuos em resiliência. Para o Brasil, a proteção de seus cabos submarinos é fundamental para garantir a soberania digital, a estabilidade econômica e a segurança nacional em um mundo cada vez mais conectado e, paradoxalmente, mais fragmentado.
A discussão sobre a governança global da internet e a proteção de suas infraestruturas críticas está apenas começando. O que acontece nas profundezas dos nossos oceanos terá um impacto cada vez maior em nossas vidas, e estar ciente dessas dinâmicas é o primeiro passo para construirmos um futuro digital mais seguro e resiliente para todos.
Referências
- G1 – Cortes em cabos no Mar Vermelho prejudicam internet na Ásia e no Oriente Médio
- Olhar Digital – Cortes de cabos submarinos afetaram internet no final de semana
- RTP – Cortes em cabos no mar Vermelho interrompem Internet na Ásia e Médio Oriente
- UOL Economia – Microsoft atribui interrupção do serviço de nuvem a cortes de cabos no Mar Vermelho
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